... Em sentimentos que envolvem o universo feminino, pois “Não se nasce mulher: torna-se.” (Simone de Beauvoir)
A dualidade de sentimentos que envolvem o Universo Feminino.

São tantos os sentimentos em busca da identidade feminina, cujos contratempos das emoções transbordadas vão do êxtase secreto à cólera explícita...

Esse blog é um espaço aberto acerca de relatos e desabafos relativos as alegrias e tristezas, felicidades e angústias... Sempre objetivando a solidariedade e ajuda ao próximo.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

A despedida...

"Privamo-nos para mantermos a nossa integridade, poupamos a nossa saúde, a nossa capacidade de gozar a vida, as nossas emoções, guardamo-nos para alguma coisa sem sequer sabermos o que essa coisa é. E este hábito de reprimirmos constantemente as nossas pulsões naturais é o que faz de nós seres tão refinados. Porque é que não nos embriagamos? Porque a vergonha e os transtornos das dores de cabeça fazem nascer um desprazer mais importante que o prazer da embriaguez. Porque é que não nos apaixonamos todos os meses de novo? Porque, por altura de cada separação, uma parte dos nossos corações fica desfeita. Assim, esforçamo-nos mais por evitar o sofrimento do que na busca do prazer." S. Freud



Um calor insuportável, mais insuportável ainda na minha condição de mulher madura em pleno climatério e pela dura situação de enterrar mais um amigo de um passado vivido em bons momentos. Durante alguns anos evitei encontrar com esse amigo que me ligava carinhosamente nas datas do meu aniversário, mas eu estava tão adoecida de tristeza pelo meu divórcio que não tinha condições de comemoração da vida. Ele insistia, e eu dizia que não conseguia mais, tudo havia perdido a graça. Apesar, das grandes comemorações de outrora rodeadas de amigos no apagar das velas parecia que agora, eu estava condenada e relembrar essas datas era muito doído para mim. Então, convencido ele concluía, ano que vem comemoraremos.

Na tentativa desesperada de paralisar o sofrimento, talvez o decorrer do tempo distanciava ainda mais minha recuperação.

Saí do metrô em direção à entrada principal do cemitério com o sol a pino e caminhei longamente pelas alamedas observando os túmulos pensando como a vida se esvai de repente. Tempos atrás, meus encontros com José eram em épocas felizes e o ritual dessa passagem atual seria de dor, com a saudade das boas lembranças que não voltariam nunca mais. Restando apenas o vazio.
 
Havia ainda, o encontro de outros amigos que me afastei e seria inevitável o julgamento do meu ostracismo. No trajeto, o remorso me espremia o peito por não ter atendido as tantas chamadas de José e dos outros, por não suportar lidar com a perda daquele passado em que fui tão feliz.

Entro na capela, compro um buquê de flores, me dirijo ao livro de presença e assino em meu nome e no nome do meu ex-marido, desaparecido da minha vida e da vida dos nossos amigos. Chego perto do caixão e vejo o rosto de José pálido e tão envelhecido, mas não há mais tempo de me desculpar pelas faltas. 

Olho ao redor e enfrento os olhares que me esperam corresponder e me surpreendo com abraços apertados dos amigos que não me esqueceram como eu tentei esquecê-los. Minha ausência nesses tempos, não lhes causaram rancor, apenas saudades e agora sou acalentada carinhosamente. Duas amigas, uma em cada lado, me dão os braços em solidariedade ao sofrimento e me direcionam ao jazigo aberto para enterrar mais uma dor. Parece que na tristeza em conjunto o golpe não machuca tanto.

O caixão desce e a terra o encobre, assim mais uma página da nossa história é guardada no arquivo da vida.



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