... Em sentimentos que envolvem o universo feminino, pois “Não se nasce mulher: torna-se.” (Simone de Beauvoir)
A dualidade de sentimentos que envolvem o Universo Feminino.

São tantos os sentimentos em busca da identidade feminina, cujos contratempos das emoções transbordadas vão do êxtase secreto à cólera explícita...

Esse blog é um espaço aberto acerca de relatos e desabafos relativos as alegrias e tristezas, felicidades e angústias... Sempre objetivando a solidariedade e ajuda ao próximo.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

O reencontro...

"A angústia surge do momento em que o sujeito está suspenso entre um tempo em que ele não sabe mais onde está, em direção a um tempo onde ele será alguma coisa na qual jamais se poderá reencontrar." Jaques Lacan


- Saudades de você Simone.

O silêncio é interrompido com o som de uma mensagem no telefone.

- Também, querido.

- Tem programa para hoje ?

- Não. Estou relaxando ao embalo de Lacan... risos.

- Estou muito cansado, o dia foi pesado hoje, mas eu quero ver você. Vou dar uma relaxada de meia hora e depois nos falamos. 

Assim, João expressou seu desejo. Volta e meia ele procura Simone como forma de marcar seu território no coração dela. Suas ausências temporárias duram pouco e quando ele está vulnerável ou vazio sabe onde buscar energia. 

Mal deu meia hora e ele envia a mensagem:

- Vou tomar um banho e em uma hora chego aí. Você não quer sair, né ? Prefiro ficar aí com você e dividir sua atenção com Lacan... Risos.

Então, ela que estava tranquila no sofá lendo o "Seminário X - A Angústia", sem qualquer expectativa de programa para aquela noite de sexta-feira interrompe a leitura para trocar a camisola por um vestido florido, mesmo sem muito entusiasmo pelas lacunas de tempo ausente pinta os lábios com batom vermelho e preencher os cílios com rímel. Ajeita os cabelos com os dedos e borrifa um jato de lavanda detrás de cada orelha.

Ele chega rápido apesar da distância geográfica do bairro distante. Vem ansioso clamando por um abraço e aconchego naquele lar como se fizesse parte do mobiliário da casa. Traz um leve aroma cítrico e olhos brilhantes.

- Você cortou os cabelos ! Gostei. Está mais linda. O tempo foi generoso com você e nem aparenta uma cinquentenária. Tem a mesma aparência dos seus trinta e seis anos, quando nos conhecemos. 

Na verdade, Simone nem lembrava desse tempo. Pois, somente passou a se interessar por João com seus quarenta e quatro anos, logo após sua separação de Marcos. Tiveram um curto e tórrido romance interrompido pelos caminhos divergentes da vida. 

Íntimo da casa, João dedilha o gelo e serve a bebida pegando-a pela mão e levando-a para varanda. No frescor da noite a admira.

Agora doente, Simone está fragilizada. Então, pergunta:

- Se você tivesse pouco tempo de vida o que desejaria, João ?

- Uma casa bem confortável e distante onde pudesse ouvir músicas em alto som e dar festas. E, você Simone o que deseja ?

- Quero ir para Cuba.

- Então, vamos. Depois, da sua cirurgia partiremos para Ilha. Dançaremos ao som das músicas caribenhas e beberemos rum.

Os olhos de Simone umedeceram imediatamente. Assim, ele sabia que teria um lugar privilegiado nos sentimentos dela. Não somente nessa noite que passaria rápida demais. 

Silente ao som das palavras de João, ela apenas balançava a cabeça entre pequenos sorrisos disfarçando seu pensamento longe e se questionando onde estava no tempo em que não vislumbrou a possibilidade de amá-lo. 

De repente, lhe veio a angústia pela saudade de Marcos e a madrugada transcorreu afogada pelos goles do álcool e os afagos no ego por João, até pô-la no leito retirando cuidadosamente suas sandálias, envolvê-la na coberta e beijando-a na testa.

 


Neurose, uma maneira de ser e reagir a vida.

"O neurótico tem a alma de uma criança e suporta mal as restrições arbitrárias, cujo sentido não reconhece; aliás, ele procura apropriar-se dessa moral, mas desavém-se consigo mesmo. Quer reprimir-se, por um lado, e libertar-se, por outro. A este conflito damos o nome de neurose." (Jung in Psicologia do Inconsciente)


Nada mais faz sentido. Sinto-me fora, totalmente estrangeira de mim mesma. Não há amor e nem ódio, somente indiferença pela vida. Olho-me no espelho e não me reconheço. Pois, envelheci abruptamente sem ter percebido os anos passarem. Já não sinto o sabor do chocolate que me trazia a memória afetiva da infância e o vinho que por vezes me fazia levitar no bailado suave dos pensamentos, agora desce para estancar a sede da acidez das tristes lembranças. O alimento serve apenas para preencher o buraco da insatisfação. Talvez, eu tenha me perdido nesse mundo que não tenho lugar.

A dor me paralisa, mas as bengalas me ajudam seguir o longo trajeto do sofrimento.

 

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Chuva...

Que a chuva seja suave e amena para não inundar
Que refresque o calor e perfume o ar
Que irrigue e molhe apenas o que pode crescer




Lá vem a chuva. Espero que seja amena para inundar e suave para refrescar. Já gostei mais do sol quando era jovem e alegre. Agora, na solitude tenho apreciado os dias chuvosos na esperança de lavar minha alma amargurada pelo sofrimento. 

Por vezes, me pego caminhando vagarosamente sem rumo deixando o meu pranto se misturar nas gotas caídas em meu rosto que escondo com a maquiagem. É como se quisesse tirar a máscara para voltar quem fui. E, com olhos borrados pelo rímel parece que sou obrigada a enxergar a triste realidade do presente. 

Pessoas se abrigam nas marquises dos prédios, outras se protegem com seus guarda-chuvas estampados ou monocromáticos, há quem corra ou aperte o passo na tentativa de fugir. Mas, eu a aceito de bom grado seguindo o caminho perfumado pelo cheiro de terra molhada. 

Não existe mais quem me espere em casa, apenas encontrarei a solidão com o vazio de mim mesma atormentada pelos fantasmas da derrota. É uma vida desbotada pela lavagem da chuva.